09/09/2025
Agrovoltaica para cana-de-açúcar: O estudo brasileiro que une safra mais farta e energia limpa
Você já imaginou o mesmo hectare produzir açúcar/etanol e eletricidade solar — ao mesmo tempo? É exatamente essa a proposta da agrovoltaica (também chamada de agrofotovoltaica): instalar painéis fotovoltaicos acima da lavoura, de modo que a terra trabalhe em “duplo turno”, gerando alimentos (ou biomassa) e kWh. No Brasil, onde a cana-de-açúcar é protagonista, essa ideia acaba de ganhar dados concretos de campo graças a um experimento conduzido em Alagoas. Neste artigo, vamos destrinchar o que foi feito, quais números apareceram, como interpretar esses resultados e o que produtores rurais precisam considerar antes de levar essa inovação para o canavial.
O que é agrovoltaica (em poucas palavras)
Agrovoltaica é o uso compartilhado da mesma área para agricultura e geração fotovoltaica. Os painéis são instalados elevados, permitindo o manejo agrícola por baixo. O segredo está em projeto e microclima: altura, espaçamento e orientação dos módulos precisam ser escolhidos para que a sombra não prejudique (e às vezes até beneficie) a cultura, reduzindo estresses térmicos e hídricos, enquanto os painéis geram energia. Em contrapartida, estruturas altas encarecem a obra e pedem atenção especial à colheita mecanizada e à segurança (acidentes e incêndio).
O caso real de Alagoas: como o experimento foi montado
Uma equipe da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) analisou um sistema agrovoltaico instalado em canavial da Usina Santa Clotilde, em Maceió, com medições e simulações para avaliar geração elétrica e desempenho agronômico. O arranjo fotovoltaico tem 71,4 kW, foi implantado em 2022 e conta com 7 estruturas de montagem, cada uma com duas colunas e um eixo horizontal de 15 m. As colunas são perfis ocos de aço de 250 × 150 mm; as vigas transversais têm 200 mm de altura, 75 mm de largura e mesa de 25 mm com 4,75 mm de espessura. As estruturas ficam entre 7 m e 8 m de altura do solo, e cada uma sustenta duas fileiras de 15 módulos policristalinos de 340 W. Dois inversores compõem o sistema (um de 33 kW e outro de 40 kW). A ancoragem é feita por blocos de fundação reforçados para estabilidade sob cargas ambientais.
O que saiu na conta de luz: geração de energia
Com base em testes e simulações (PVsyst), os pesquisadores observaram que os módulos atingiram média de 9.068 kWh por mês, com índice de desempenho de 16,88%, além de um indicador de produtividade de 124,36 kWh/kW. O melhor mês para geração foi dezembro e o pior, abril — um retrato sazonal típico para a região avaliada.
E a cana, ganhou ou perdeu produtividade?
Aqui vem a parte mais surpreendente do estudo: a produtividade do colmo de cana foi 43,2% maior nas áreas agrovoltaicas em comparação com uma área de referência sem painéis. Os autores atribuem o resultado à maior capacidade fotossintética sob o novo microclima, associada a um índice de área foliar mais elevado ao longo do ciclo. Ou seja, com projeto adequado (altura e espaçamento variáveis para modular a sombra), a cana não apenas tolerou os painéis como produziu mais.
Por que isso pode funcionar?
Painéis elevados criam faixas de sombra intermitente ao longo do dia. Para a cana, essa sombra moderada pode:
- Reduzir estresse térmico em horas críticas;
- Diminuir evapotranspiração (menos perda de água), importante sobretudo no semiárido;
- Preservar umidade do solo e favorecer o índice de área foliar.
Na prática, é como dar à planta “intervalos” de sol forte, sem privá-la de luz suficiente para fotossíntese — contanto que o espaçamento entre estruturas e a altura sejam definidos com critério. A própria equipe da Ufal ressalta esse ponto: o sucesso depende da resposta da cultura ao novo microclima e do ajuste fino do sombreamento.
Nem tudo são flores: desafios técnicos e operacionais
A cana chega a grande altura e é colhida, em geral, de forma mecanizada. Isso exige painéis bem altos (no estudo, 7–8 m), aumentando esforços estruturais e custo. Há também riscos operacionais (acidentes com máquinas e incêndio), que pedem engenharia e procedimentos rigorosos. Por outro lado, usinas de cana já são cogeradoras (queimam bagaço) e contam com infraestrutura elétrica que pode facilitar a comercialização do excedente quando se adiciona fotovoltaica — uma sinergia promissora.
“Vale a pena para mim?”
- Vai escurecer demais minha lavoura? Não, se o projeto respeitar altura e espaçamento adequados. No caso de Alagoas, a estrutura permite variar o espaçamento entre unidades para modular o sombreamento conforme a fase da cultura.
- E a geração, compensa de verdade? O sistema de 71,4 kW estudado entregou média de 9.068 kWh/mês com PR de 16,88% — números sólidos para a região e layout avaliados. O desempenho varia de acordo com radiação local, perdas e operação.
- Como fica a integração elétrica? Muitas usinas de cana já têm infraestrutura de cogeração com bagaço e estão acostumadas a exportar energia; isso pode acelerar a adoção de fotovoltaica no campo.
- E no semiárido? A Ufal aponta que sistemas desse tipo podem reduzir evapotranspiração e ainda gerar eletricidade para bombeamento de água, reforçando o manejo hídrico.
O que este estudo não é (e o que ele é)
Não é uma “receita universal” — os próprios pesquisadores frisam que os ganhos dependem de condições específicas (projeto, clima, manejo). Mas é, sim, uma prova de conceito muito relevante de que, sob certas condições, a cana pode render mais sob painéis e, ao mesmo tempo, gerar energia. O artigo científico que apresenta o caso brasileiro foi publicado na Energy Conversion and Management e descreve em detalhe a metodologia, a modelagem e os resultados observados: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0196890425008313.
Conclusão: por que isso importa para o Brasil
Num país em que a cana já pesa 15% da matriz energética (2022) e ocupa áreas extensas — só em Alagoas, cerca de 324,5 mil ha em 67 municípios —, a agrovoltaica cria uma avenida para intensificar o uso da terra com sustentabilidade e receitas diversificadas (açúcar/etanol, bioeletricidade e solar). O experimento alagoano mostra que, com engenharia bem-feita, dá para gerar kWh e colher mais cana — um verdadeiro ganha-ganha.
Como a Inovacare SOLAR pode ajudar
A Inovacare SOLAR é integradora especializada em sistemas on-grid e soluções para empresas (incluindo Mercado Livre de Energia). Se você é produtor rural, usina ou agroindústria e quer avaliar caminhos para reduzir custos com eletricidade — seja com fotovoltaica em áreas próprias, telhados industriais ou integração com sua estratégia de energia — fale com nosso time. Vamos dimensionar uma solução sob medida, com segurança técnica e foco em economia de longo prazo.
Referências:
CABRAL, Tárcila. Projeto da Ufal capta energia solar e impulsiona produção da cana-de-açúcar. Notícias UFAL, 12 jan. 2024. Disponível em: https://noticias.ufal.br/ufal/noticias/2024/1/projeto-da-ufal-capta-energia-solar-e-impulsiona-producao-da-cana-de-acucar. Acesso em: 3 set. 2025.
BELLINI, Emiliano. Agrovoltaica para cana-de-açúcar. pv magazine Brasil, 28 ago. 2025. Disponível em: https://www.pv-magazine-brasil.com/2025/08/28/agrovoltaica-para-cana-de-acucar/. Acesso em: 3 set. 2025.
SOUZA, Leonardo Faustino Lacerda de et al. Agrophotovoltaic systems in sugarcane crop – A Brazilian case study. Energy Conversion and Management, 2025. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0196890425008313. Acesso em: 3 set. 2025.